Teleconsultoria por aplicativo entre níveis de atenção em saúde bucal no SUS...
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Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2025;4:e202540040
DISCUSSÃO
Dos 226 casos discutidos nos grupos de discussão clínica das
especialidades odontológicas, observa-se que 44,69% (n=101)
casos tiveram origem na região de M'Boi Mirim e 55,30% (n=125)
na região de Campo Limpo. Essa distribuição, embora
aparentemente próxima em termos absolutos, deve ser analisada
com cautela, considerando alguns fatores que podem influenciar
a demanda e a frequência de participação das equipes.
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que cada região
apresenta um número distinto de Unidades de Saúde, o que
naturalmente impacta o volume de casos encaminhados ou
discutidos. Regiões com maior número de unidades tendem, por
consequência, a gerar mais situações clínicas que necessitam de
apoio especializado.
Um aspecto relevante refere-se à qualificação e ao perfil dos
profissionais inseridos em cada território. Diferentes trajetórias de
formação, experiências prévias e graus de segurança clínica
podem levar a maior ou menor necessidade de suporte por meio
da discussão em grupo.
Assim, a concentração de casos em determinada região não
deve ser interpretada isoladamente como maior demanda clínica,
mas também como reflexo da forma como os profissionais
utilizam esse canal de apoio. Além disso, deve-se considerar o
caráter aleatório dos casos clínicos que surgem no cotidiano das
equipes. Situações específicas de maior complexidade podem, em
determinados períodos, se concentrar em uma região por fatores
circunstanciais e não necessariamente estruturais.
A análise dos resultados evidencia que a maior demanda por
teleconsultoria concentrou-se nas especialidades de
Estomatologia (46,0%) e no atendimento a Pacientes com
Necessidades Especiais – PNE (22,1%). Esse predomínio pode ser
atribuído à elevada complexidade clínica que caracteriza ambas
as áreas, as quais exigem do cirurgião-dentista competências
técnicas especializadas e sólida capacidade de tomada de decisão.
Na Estomatologia, destacam-se a necessidade de avaliação
minuciosa de lesões orais, definição de condutas frente a
condições potencialmente malignas e manejo de processos
inflamatórios ou infecciosos com repercussões sistêmicas. Já no
atendimento a PNE, somam-se os desafios relacionados às
múltiplas comorbidades, ao risco de interações medicamentosas
e à adaptação de protocolos frente a limitações físicas, cognitivas
ou comportamentais. Em ambos os contextos, a teleconsultoria
oferece suporte qualificado, contribuindo para a segurança do
paciente e para a resolutividade dos casos na Atenção Primária à
Saúde(14-15).
Embora 31,0% dos casos terem sido resolvidos integralmente
na unidade de origem, esse contingente ainda representa
encaminhamentos que poderiam se evitados e que, em condições
usuais, ocupariam vagas de consultas especializadas de forma
indevida e prolongando filas. Evidências nacionais mostram que a
teleconsultoria em saúde bucal reduz encaminhamentos em
>45% e muda a conduta inicial em ~64% dos casos, reforçando
esse efeito de ordenação do acesso(15-16).
Entre os casos que necessitam referência (69,0%), a
priorização de urgência atribuída à maioria (60,9% dos
encaminhados) mostra que o canal capturou situações não triviais
para o cotidiano da APS e agilizou o acesso dos pacientes com
maior gravidade a serviços como o CEO.
Além disso, a integração com a regulação (28,2% dos
encaminhados seguiram via fluxo formal) demonstra que o
programa não cria um fluxo paralelo, mas qualifica o percurso
assistencial, conectando orientação imediata com o mecanismo
oficial de referência. O subgrupo “Outros” (10,9%) evidencia
outro valor do arranjo: evitar iatrogenias organizacionais ao
reconhecer condições cujo destino assistencial não é
odontológico, preservando recursos e orientando a equipe da APS
para o ponto de cuidado adequado.
Esse arranjo é particularmente relevante porque parte das
queixas que mimetizam dor dentária tem origem não
odontogênica — por exemplo, alterações cardíacas, esofágicas,
tireoidianas ou pulmonares — e requer encaminhamento médico
oportuno, sob risco de intervenções odontológicas
desnecessárias(17).
Do ponto de vista assistencial, a estratégia aumentou a
assertividade do direcionamento e reduziu a variabilidade das
condutas iniciais. O relato padronizado do caso, o uso de imagens
autorizadas quando pertinentes e a devolutiva registrável no
prontuário favoreceram um efeito educativo contínuo sobre as
equipes, com ganhos em raciocínio diagnóstico e manejo inicial(18-
19). Para além disso, revisões sistemáticas indicam que a
comunicação assíncrona e o uso de fotografias (inclusive por
smartphones) são factíveis e úteis para triagem, diagnóstico e
planejamento terapêutico, quando obedecidos padrões
adequados(15).
Do ponto de vista gerencial, os achados sugerem que a
teleconsultoria é um dispositivo de baixo custo e alta capilaridade
para ordenar o acesso, ao mesmo tempo em que produz dados
operacionais (resolutividade, prioridades, tempos de resposta)
úteis para gestão de filas e planejamento de oferta especializada
— alinhado a experiências de Telessaúde no SUS que articulam
teleconsultoria à regulação e à gestão do cuidado no estado da
Bahia, Brasil(20).
Alguns pontos críticos emergem como oportunidades de
aprimoramento: primeiro, a predominância de dúvidas em
Estomatologia e PNE recomenda protocolos rápidos e checklists
de dados mínimos para esses temas (lesões orais, dor, triagem
de risco em pacientes vulneráveis), o que tende a elevar a
resolutividade local sem comprometer a segurança; segundo, a
padronização de critérios de prioridade no próprio ato da
teleconsultoria pode estreitar ainda mais o acoplamento com a
regulação, reduzindo retrabalho; e terceiro, consolidar boas
práticas de imagem (qualidade, enquadramento, consentimento)
diminui idas e vindas, encurta o tempo até a orientação útil e
melhora a documentação clínica.
A segurança do arranjo foi evidenciada pela ausência de
eventos adversos relacionados às orientações e pelo manejo
anonimizado dos registros, o que reforça a viabilidade do uso
cotidiano na rede. Ainda assim, é essencial manter salvaguardas
institucionais: minimização de dados nas conversas, proibição de
identificadores pessoais, registro das condutas clinicamente
relevantes no prontuário e capacitação periódica sobre limites da
teleconsultoria (apoio à decisão, não substituição de consulta
presencial quando necessária).
Limitações do Estudo
Apesar dos achados consistentes, o estudo apresenta
limitações metodológicas que exigem cautela na generalização
dos resultados. O delineamento observacional e retrospectivo,
sem grupo controle ou aplicação de métodos estatísticos
inferenciais, limita a possibilidade de estabelecer relações causais
diretas entre a intervenção e os desfechos observados.
O reconhecimento crítico desses vieses não apenas fortalece a
integridade metodológica do estudo, mas também contribui para