Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023 CEJAMCentro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”Rua Dr. Lund, 41, LiberdadeSão Paulo/SP - CEP: 01513-02011 3469-1818revista.cientifica@cejam.org.br Autoria Vinicius de Souza Campos 1 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7909-338X Sueli Santos Oliveira 1 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7881-5371 Instituição 1 Programa de Reposição Hospitalar (PROREHOSP), Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim (CEJAM), São Paulo, SP, Brasil. Autor Correspondente Vinicius de Souza Campos e-mail: <viniciussouza.servicosocial@gmail.com> Como citar este artigo Campos VS, Oliveira SS. Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar entre a Psicologia e Serviço Social. Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023. DOI: https://doi.org/10.59229/2764-9806.RTCC.e202430023. SubmissãoAprovação 06/02/202427/03/2024 Relato de Experiência Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar entre a Psicologia e Serviço Social Psychiatric Dehospitalization Strategies and Interdisciplinary Work between Psychology and Social WorkResumoObjetivo: Apresentar as estratégias de desospitalização desenvolvidas pelo Serviço Social e de Psicologia na psiquiatria de um hospital público da região sul da Cidade de São Paulo. Método: Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, onde se buscou descrever as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social e a psicologia, no atendimento de Psiquiatria, realizado no período de ampliação da equipe multidisciplinar através do Programa de Reposição Hospitalar. Resultados: O estudo evidenciou a dimensão do trabalho do assistente social e do psicólogo na psiquiatria, sendo possível identificar a importância destas categorias no processo de desospitalização dos pacientes com transtornos em saúde mental. Conclusão: É necessário seguir rumo a um modo de fazer gestão do cuidado em que possam ser discutidos os problemas, construídos consensos e pactuadas decisões de forma coletiva e democrática, para que as relações interprofissionais sejam também mais democráticas e voltadas para o bem comum das equipes de saúde e pacientes. Descritores: Psiquiatria; Serviço Social em Psiquiatria; Psicologia; Desinstitucionalização; Estratégias de Saúde. AbstractObjective: To present the dehospitalization strategies developed by Social Work and Psychology services in the psychiatry department of a public hospital in the southern region of São Paulo City. Method: This is a descriptive study, of the experience report type, aiming to describe the activities carried out by Social Work and Psychology services in Psychiatry, during the period of expansion of the multidisciplinary team through the Hospital Replacement Program. Results: The study highlighted the scope of the work of social workers and psychologists in psychiatry, allowing for the identification of the importance of these professions in the dehospitalization process of patients with mental health disorders. Conclusion: There is a need to move towards a care management approach where problems can be discussed, consensus can be built, and decisions can be collectively and democratically agreed upon, so that interprofessional relationships are also more democratic and oriented towards the common good of healthcare teams and patients. Descriptors: Psychiatry; Social Work, Psychiatric; Psychology; Deinstitutionalization; Health Strategies.
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar… Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023 2 CEJAMCentro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”Rua Dr. Lund, 41, LiberdadeSão Paulo/SP - CEP: 01513-02011 3469-1818revista.cientifica@cejam.org.br INTRODUÇÃO A alta hospitalar é uma decisão que não deve ficar circunscrita a elementos que envolvem somente o processo de liberação do paciente do hospital após uma internação prolongada, como desocupar o leito, transferir o paciente para outra unidade de saúde ou para atendimento por outra equipe assistencial. O processo de alta também deve levar em conta diversas estratégias para otimizar o tempo de permanência hospitalar, assim como orientar a família e/ou cuidadores que acompanharão a recuperação do paciente após a alta. Todas essas questões estão no cerne das reflexões, discussões e práticas do Serviço Social e da Psicologia, fundamentadas em um projeto ético-político que visa promover uma saúde pública de qualidade e uma gestão do cuidado dentro da clínica ampliada.De acordo com as discussões tecidas pelo Ministério da Saúde (MS) (1) , a desospitalização fundamenta-se na construção do processo de transição do cuidado de modo dialógico, humanizado, respeitando as necessidades e as escolhas possíveis do usuário e da família. Essa estratégia pode ser aplicada em diversas populações, como adultos com doenças crônicas não transmissíveis, crianças e transtornos e deficiências da integralidade e exigem que a equipe multidisciplinar trabalhe de forma coordenada e em rede para ter resolutividade (2-3) .Na saúde mental não é diferente e, desse modo, é oportuno trazer a experiência de desospitalização mediante trabalho interdisciplinar no gerenciamento de casos, destacando a importância da articulação do cuidado em redes, das práticas integrativas e de educação em saúde. Além disso, apontar reflexões pertinentes sobre atenção à saúde de forma resolutiva e humanizada no trato de pessoas em condição de adoecimento psíquico é uma necessidade premente que pode trazer reflexões sobre a abordagem multidisciplinar na gestão de casos.Neste contexto, o paciente, sua família e os profissionais dos serviços comunitários passam a ser, cada vez mais, os principais provedores de cuidados em saúde mental. Exigindo articulação entre diversos serviços da rede de saúde em seus diferentes níveis de atenção (2) .Nessa linha de pensamento, o objetivo desta comunicação científica é apresentar as estratégias de desospitalização desenvolvidas pelo Serviço Social e de Psicologia na psiquiatria de um hospital público da região sul da Cidade de São Paulo. MÉTODODesenho, período e cenário Trata-se de um relato de experiência em que se buscou descrever as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social e a Psicologia, no atendimento de Psiquiatria (4) , realizado no período de ampliação da equipe multidisciplinar através do Programa de Reposição Hospitalar (PROREHOSP) do Centro de Estudos e Pesquisa “Dr. João Amorim” (CEJAM), onde estas duas áreas do conhecimento foram agregadas à equipe existente.O relato de experiência traz um retrato do trabalho realizado entre os meses de agosto e outubro de 2023, no cenário de prática do Pronto Socorro e enfermaria de Internação Psiquiátrica. O pronto socorro do hospital atende situações de crises, urgências e emergências psiquiátricas com predominância da população adulta acima de 18 anos, de ambos os sexos, com histórico significativo de uso abusivo de múltiplas substâncias psicoativas, dentre outros tipos de transtorno mental. Por ser uma unidade hospitalar de atenção terciária, funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, podendo os usuários chegar ao serviço por demanda espontânea acompanhado por familiares, ou,ainda, referenciados por outros pontos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e também de Ambulatório Médico Assistência (AMA), Unidade Básica de Saúde (UBS), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e bombeiros, dentre outros casos trazidos pela força policial após exposição a situação de risco.A equipe técnica do hospital é composta por funcionários públicos, residentes em saúde, internos, estagiários e parceria conjunta com o terceiro setor. O Hospital está localizado na região de M’boi Mirim e Campo Limpo, a cerca de 16 quilômetros do marco zero da Cidade de São Paulo. De acordo com dados dos censos demográficos 1991 e 2000 (5) , a população é de aproximadamente 191 a 527 mil habitantes e a densidade demográfica é de 14.963 habitantes por quilômetro quadrado. A região de abrangência do hospital é conhecida pela presença de uma grande desigualdade social, com um número relevante de população de baixa renda vivendo em comunidades, residências de baixo padrão e conjuntos habitacionais populares, ao lado de condomínios horizontais e verticais de classe média e média alta. Contudo, a história social da fundação deste hospital está relacionada à organização popular em movimentos sociais. Além disso, a região possui grandes áreas de comércio popular e uma atividade industrial em processo de declínio, com alguns galpões e fábricas ainda em atividade. RELATO DA EXPERIÊNCIA Após a admissão do paciente ele é avaliado e ponderadas as estratégias de cuidado em curto prazo, sendo elas: alta hospitalar para continuidade no acompanhamento no território, internação em pronto socorro para observação psiquiátrica e, internação psiquiátrica no próprio hospital ou transferência para outras unidades referenciadas. Contudo, nesse percurso os profissionais de saúde da instituição apontam algumas dificuldades para a efetivação do cuidado em saúde mental, tais como: escassez de recursos humanos, fragilidade na comunicação em saúde, ausência de uma rede de suporte social e familiar elaborada no cuidado, fragilidade nas políticas públicas e sociais para o atendimento a população, excesso de demanda, tempo prolongado de internação, e reinternações. Diante das demandas evidenciadas foi pensado uma proposta de ampliação da equipe multiprofissional e a integração entre equipes de Serviço Social e Psicologia no setor de psiquiatria. A partir de então, algumas ferramentas de trabalho existentes foram potencializadas para a qualificação da assistência prestada e, outras foram implementadas vislumbrando melhoria na assistência prestada e qualificando fluxos e processos de trabalho. Interconsulta De acordo com Farias (6) , o termo interconsulta passou a ser discutido no Brasil na década de 1980, dentro do campo da psiquiatria. Em seu conceito básico, a interconsulta permite ao
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar… Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023 3 CEJAMCentro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”Rua Dr. Lund, 41, LiberdadeSão Paulo/SP - CEP: 01513-02011 3469-1818revista.cientifica@cejam.org.br médico e demais membros da equipe multiprofissional procurar uma segunda opinião ou até mesmo auxílio no diagnóstico de outro profissional. Essa prática ajuda em uma melhor aprendizagem e definição dos diagnósticos, além de agilizar o laudo e a construção do cuidado do paciente.Quando o paciente chega até o hospital, seja na sua acolhida ou durante a internação, de acordo com as necessidades identificadas o médico ou qualquer outro membro da equipe multiprofissional de nível superior possui acesso nos computadores da instituição a um link, com informações rápidas e práticas onde ele poderá solicitar a avaliação de outro profissional, ou pelo próprio sistema gestão hospitalar, sendo de outra especialidade médica ou de outra categoria multidisciplinar como: serviço social, psicologia, fonoaudiologia, nutrição, fisioterapia, terapia ocupacional, e entre outros. A equipe médica é habilitada a solicitar interconsulta a todas as categorias profissionais existentes no quadro de profissionais do hospital e conforme o regimento interno institucional, a equipe multiprofissional solicita a outros membros da equipe multiprofissional não médicos.Durante o pedido, a interconsulta pode ser classificada entre urgência ou rotina. Sendo que a urgência tem um prazo de até 12:00 para ser atendida, e a rotina até 24:00. O uso adequado da interconsulta melhora o atendimento ao paciente: a interconsulta, em apenas um atendimento, trabalha com várias questões de diferentes áreas. Assim, há uma otimização no tempo do paciente e uma melhora na comunicação e registro da informação. Trazendo benefícios como agilidade no diagnóstico: por haver mais de um profissional envolvido no atendimento, o laudo com o diagnóstico do paciente é realizado de maneira mais ágil, economizando tanto o tempo do paciente quanto dos médicos. Discussão de Caso interdisciplinar Seja no processo de atendimento das interconsultas ou após o atendimento de rotina, ou nas reuniões internas de psiquiatria, a Psicologia e o Serviço Social têm se empenhado desde a sua chegada ao setor, nas discussões de caso com a equipe multidisciplinar, principalmente com a equipe médica psiquiátrica e a equipe médica residente em psiquiatria, trazendo troca de informações, avaliação compartilhada, propiciando aprendizado entre profissionais.A interação entre profissionais de diferentes áreas e especializações traz o ganho pedagógico para a formação em saúde dos residentes e para a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) do paciente. Isso possibilita a todos os envolvidos um entendimento mais abrangente de diversos assuntos que podem envolver um processo diagnóstico (7) . Kanban O termo “Kanban” é de origem japonesa e significa “sinalização” ou “cartão”, e propõe o uso de cartões (post-its) para indicar e acompanhar o andamento da produção dentro de um espaço de trabalho.Trata-se de um sistema visual que busca gerenciar o trabalho conforme ele se move pelo processo. Esta ferramenta de trabalho existe no setor de psiquiatria do hospital referido, onde todas as segundas-feiras, das 14:30 às 16:30, os CAPS do território vem até o hospital, com seus respectivos representantes, para discussão dos casos em observação psiquiátrica no pronto socorro. Neste processo de trabalho o Serviço Social e a Psicologia têm trabalhado em trazer para esse espaço a perspectiva de matriciamento, constituindo o Kanban numa ferramenta para transformação da realidade de trabalho de equipes interdisciplinares e suas relações com as pessoas e o território, e na construção do PTS do paciente (8) .É durante o Kanban (9) com os CAPS do território que as respectivas categorias profissionais contribuem para a efetiva comunicação e coordenação de cuidados entre os profissionais envolvidos, pois, é o momento em que se trabalha a perspectiva de alta do paciente, possíveis transferências para internação de longo prazo, reinserção social, medidas de acolhimento como fator protetivo, e trabalha-se também os aspectos das determinações sociais do processo de saúde e doença envoltas na vida do usuário atendido e seus familiares. É um espaço de reflexão sobre as múltiplas expressões da questão social em torno do paciente e seus familiares, como pobreza extrema, violências, negligências e demais riscos sociais. Planilha de gestão de caso na RAPS Após a reunião do Kanban realizada no hospital, todas as segundas feiras, o PTS do paciente é atualizado numa planilha, que é compartilhada junto a ata de reunião com os dispositivos da RAPS do território. Além de compartilhar as informações com os serviços da da RAPS, a coordenadoria de saúde da região também é envolvida com o intuito de viabilizar a comunicação em saúde, a integralidade do cuidado e a gestão desse cuidado intra-hospitalar e extra-hospitalar. Avaliação Interdisciplinar A partir das discussões de caso cotidianas, das reuniões de setor e do próprio Kanban, são eleitos diante das suas complexidades, casos que demandam um olhar específico das categorias de Serviço Social e Psicologia para as intervenções técnicas sociais e psicológicas.A avaliação interdisciplinar é um espaço potente, onde o assistente social e o psicólogo, dentro de suas áreas de formação, realizam uma leitura dos determinantes sociais de saúde do paciente atendido, bem como sua rede de suporte social e familiar, fatores implicados no adoecimento, e manejo de situações de violência, negligências, onde se avalia os vínculos familiares e se trabalha com o paciente e a família o fortalecimento ou a reconstrução do vínculo familiar, muitas vezes fragilizado ou rompido na fase do adoecimento em saúde mental (10) .Através da avaliação interdisciplinar (11) , o Serviço Social e a Psicologia realizam uma leitura sistêmica da realidade psicossocial dos indivíduos, pensando estratégias de intervenção em rede para o cuidado, articulando e tecendo diálogo entre a política de saúde, assistência social, educação, habitação, cultura e outras dimensões da vida do sujeito. Trabalha-se também o retorno do paciente ao seu território, o vínculo com a comunidade. E quando esse paciente está em situação de rua, é pensada de acordo com sua autonomia o seu acolhimento institucional para o cuidado pós-hospitalar.
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar… Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023 4 CEJAMCentro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”Rua Dr. Lund, 41, LiberdadeSão Paulo/SP - CEP: 01513-02011 3469-1818revista.cientifica@cejam.org.br Resultados da Experiência O relato de experiência mostrou a dimensão do trabalho do assistente social e do psicólogo na psiquiatria, sendo possível evidenciar através dos dados generalistas coletados no Sistema de Gestão Hospitalar (SGH) a importância destas categorias no processo de desospitalização dos pacientes com transtornos em saúde mental, considerando o território de vulnerabilidade social em que o hospital está localizado e complexidade das demandas atendidas. Por meio de análise exploratória do número de internação averiguados antes da chegada da equipe multiprofissional, observou-se um número de pacientes em observação psiquiátrica no pronto socorro entre 10 e 15 pacientes aproximadamente por dia, com período de internação estimado entre 03 e 06 dias aproximados, após o curto período de intervenção da equipe de Serviço Social e Psicologia, período este do relato de experiência, o número de pacientes em observação psiquiátrica sofreu uma redução por dia, entre 03 e 05, com permanência de 01 a 03 dias de internação aproximados.A integração destas duas categorias profissionais na psiquiatria vem trazendo estratégias de redução de aproximadamente 33,3% do número de pacientes internados e queda de 50,0% do tempo de internação, propiciando a gestão de leitos hospitalar, melhoria no atendimento de modo humanizado e qualificado, ampliando o trabalho social com famílias na unidade hospitalar e trazendo a concepção de uma alta segura, eficaz e continuidade do cuidado. Para além da assistência direta ao paciente, a prática do Serviço Social e da Psicologia na Saúde Mental e Psiquiatria hospitalar têm contribuído significativamente no ensino e pesquisa em saúde mental e promovendo intervenções interdisciplinares e intersetoriais em Psiquiatria. DISCUSSÃO O Serviço Social e a Psicologia na Psiquiatria vêm dar materialidade à proposta da clínica ampliada no ambiente hospitalar, que é uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização, com o intuito de qualificar o modo de se fazer saúde (12) .A experiência das categorias de Serviço Social e Psicologia até o momento vivenciado destaca o quanto benéfico é, para o serviço de saúde da instituição hospitalar e para o paciente, ter a ampliação da clínica psiquiátrica, que agrega outras categorias profissionais ao espaço de cuidado psiquiátrico e aumenta a autonomia do usuário do serviço de saúde, da família e da comunidade sobre o autocuidado. Integrar a equipe de trabalhadores da saúde de diferentes áreas do conhecimento em busca de cuidado e tratamento de acordo com cada caso é fundamental para criar vínculo com o usuário e alcançar uma resposta terapêutica mais eficaz, o que consequentemente, resultará em agilidade dos fluxos de trabalho e qualidade na atenção ao usuário.A experiência do trabalho psicossocial na psiquiatria tem mostrado que é preciso considerar a vulnerabilidade e o risco do indivíduo. A partir de um olhar multidisciplinar, o diagnóstico é feito pelo médico psiquiatra levando em conta a história de quem está sendo cuidado e as intervenções multiprofissionais. Através da escuta, o Serviço Social e a Psicologia vêm buscando junto ao usuário, os motivos pelos quais ele adoeceu e como se sente com os sintomas, para compreender a doença e se responsabilizar a participar na produção de sua saúde. Estas categorias profissionais estão atentas aos afetos entre os trabalhadores e usuários buscando a autonomia da pessoa diante do seu tratamento, ao mesmo tempo em que seu caso é tratado de forma única e singular (13) .Segundo a perspectiva da complexidade, a interdisciplinaridade é comporta relações de troca e cooperação entre as diferentes disciplinas, bem como a articulação e interação dos saberes/fazeres, favorecendo que o coletivo de trabalhadores possa construir novas possibilidades de trabalho, de soluções e de alternativas, ultrapassando as fronteiras meramente disciplinares (14) .O trabalho do assistente social e do psicólogo na Psiquiatria vem contribuindo de modo prático para a alta segura do paciente, para o gerenciamento do cuidado e dos processos de desospitalização, fortalecendo o diálogo multiprofissional e interdisciplinar, e também, com os dispositivos de saúde e socioassistencial do território (15) . Essa melhora na comunicação em saúde, traz evidências de uma clínica ampliada pautada nos determinantes sociais de saúde e doença sobre adoecimento psíquico. Esse olhar ampliado também é sinônimo de valorização das categorias profissionais envolvidas nesse processo.Este relato de experiência não tem a intenção de trazer uma visão romantizada do trabalho interdisciplinar em psiquiatria, até porque, a prática mostra inúmeros desafios encontrados, bem como o processo de conquista e apropriação do espaço de trabalho, a necessidade de um quadro de recursos humanos ainda mais ampliado diante da demanda trabalhada, a escassez de políticas públicas e sociais que complemente o trabalho em saúde mental (16) . No entanto, esta comunicação científica vem mostrando que as categorias profissionais de saúde, Serviço Social e Psicologia, categorias estas, tão essenciais para o cuidado em saúde mental, estão desenvolvendo a capacidade de auxiliar as pessoas, não só a combater as doenças, mas a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça os pacientes de viverem outras coisas na sua vida. Para que o cuidado em psiquiatria seja eficaz é preciso romper os muros do diagnóstico por si só, e mesmo na atenção hospitalar precisa ser multidisciplinar. CONCLUSÃO Observou-se que o trabalho conjunto de Assistentes Sociais, Psicólogos e Psiquiatras contribuem de maneira específica para a qualificação da assistência ao paciente e que a junção desses campos do saber, pela prática da interdisciplinaridade, permite a melhor compreensão do diagnóstico e o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de intervenção.A prática da Psicologia e do Serviço Social, compondo de forma integrada a equipe de psiquiatria do hospital aqui tratado, revela que é preciso construir formas de trabalhar em equipe, orientadas por uma racionalidade transdisciplinar e que caminhe em direção à um projeto que qualifique ainda mais a humanização nas práticas de atendimento psiquiátrico, aumentando a comunicação e o grau de transversalização entre sujeitos, em que cada um possa ser e se sinta protagonista, respeitado e valorizado em relação ao seu saber e fazer e, ao mesmo tempo, se responsabilize pelos rumos da atenção prestada.
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar… Rev. Tec. Cient. CEJAM. 2024;3:e202430023 5 CEJAMCentro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”Rua Dr. Lund, 41, LiberdadeSão Paulo/SP - CEP: 01513-02011 3469-1818revista.cientifica@cejam.org.br É necessário seguir rumo a um modo de fazer gestão do cuidado em que problemas possam ser discutidos, consensos possam ser construídos e, pactuações e decisões possam ser firmadas de forma coletiva e democrática, para que as relações interprofissionais sejam também mais democráticas e voltadas para o bem comum. É urgente, pensar espaços de reflexões, diálogos e projetos que garantam uma atenção em psiquiatria com o viés da saúde mental em clínica ampliada. O conteúdo aqui apresentado está distante de esgotar a proposta abordada, mas vem instigar uma reflexão tão importante, para a continuidade de uma prática essencial, a interdisciplinaridade entre o Serviço Social e a Psicologia na Psiquiatria, áreas dos saberes tão próximas, tão complementares e tão essências. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Nota técnica nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.2. Miguel P de T, Medeiros JP. A volta dos manicômios: Reflexões acerca da nota técnica n. 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MSN. Cad. Bras. Saúde Ment. [Internet]. 30º de junho de 2022 [citado 6º de fevereiro de 2024];14(39):41-6. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/80699.3. Campos DB, Bezerra IC, Jorge MSB. Produção do cuidado em saúde mental: práticas territoriais na rede psicossocial. Trabalho, Educação e Saúde, 2019;18.4. Merhy EE; Franco TB. Por uma Composição Técnica do Trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Saúde em Debate, v. 27, p. 316-323, 20035. IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. “Tabela 202 - População residente por sexo e situação de domicílio” [on-line]. Disponível em: <http://goo.gl/V0JGw>. Acesso em: mar. 2013.6. Farias, G. O.; Shigunov, V.; Nascimento, J. V. Formação e desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física. In: SHIGUNOV, V.; SHIGUNOV NETO, A. A Formação profissional e a prática pedagógica: ênfase nos professores de Educação Física. Londrina: Midiograf, 2001. p. 19-53.7. Franco TB, Magalhães Júnior HM. Integralidade na assistência à saúde: a organização das linhas do cuidado. In: Franco TB, Magalhães Júnior HM, editors. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. Vol. 2. Hucitec; 2003. p. 125-35.8. Gonçalves, B.D; Saadallah MM; Queiroz IS. Articulando redes, fortalecendo comunidades: intervenção psicossocial e articulação entre universidade, comunidades e políticas públicas. Pesqui. prát. psicossociais, São João del-Rei , v. 10, n. 1, p. 88-100, jun. 2015.9. Campos DB, Bezerra IC, Jorge MSB. Produção do cuidado em saúde mental: práticas territoriais na rede psicossocial. Trabalho, Educação e Saúde, 2019;18. 10. Gonçalves, B.D; Saadallah MM; Queiroz IS. Articulando redes, fortalecendo comunidades: intervenção psicossocial e articulação entre universidade, comunidades e políticas públicas. Pesqui. prát. psicossociais, São João del-Rei , v. 10, n. 1, p. 88-100, jun. 2015.11. World Health Organization. World mental health report: transforming mental health for all. Geneva: World Health Organization; 2022.12. Vasconcelos EM, Cerda MW. Desafios e recomendações para a realização de atividades de ajuda mútua on-line no campo da saúde mental. In: Vasconcelos EM, organizador. Novos horizontes em saúde mental: análise de conjuntura, direitos humanos e protagonismo de usuários(as) e familiares. São Paulo: Hucitec; 2021. p. 292-309.13. Vasconcelos EM, Lotfi G, Braz R, Lorenzo R, Reis TR. Manual ajuda e suporte mútuos em saúde mental. Para facilitadores, trabalhadores e profissionais da saúde e saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde; 201314. Franco TB, Merhy EE. Cartografias do trabalho e cuidado em saúde. Tempus (Brasília). 2012; 6(2):151-163.15. Costa-Rosa A. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: Amarante P, organizador. Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000. p. 141-16816. Basaglia F. A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal; 1985. As instituições da violência; p. 99-133.