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Autoria
Vinicius de Souza Campos
1
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-7909-338X
Sueli Santos Oliveira
1
ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7881-5371
Instituição
1
Programa de Reposição Hospitalar (PROREHOSP),
Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim
(CEJAM), São Paulo, SP, Brasil.
Autor Correspondente
Vinicius de Souza Campos
e-mail: <viniciussouza.servicosocial@gmail.com>
Como citar este artigo
Campos VS, Oliveira SS. Estratégias de Desospitalização
Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar entre
a Psicologia e Serviço Social. Rev. Tec. Cient.
CEJAM. 2024;3:e202430023. DOI:
https://doi.
org/10.59229/2764-9806.RTCC.e202430023
.
SubmissãoAprovação
06/02/202427/03/2024
Relato de Experiência
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho
Interdisciplinar entre a Psicologia e Serviço Social
Psychiatric Dehospitalization Strategies and Interdisciplinary Work
between Psychology and Social Work
Resumo
Objetivo:
Apresentar as estratégias de desospitalização desenvolvidas pelo
Serviço Social e de Psicologia na psiquiatria de um hospital público da região sul
da Cidade de São Paulo.
Método:
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato
de experiência, onde se buscou descrever as atividades desenvolvidas pelo Serviço
Social e a psicologia, no atendimento de Psiquiatria, realizado no período de
ampliação da equipe multidisciplinar através do Programa de Reposição Hospitalar.
Resultados:
O estudo evidenciou a dimensão do trabalho do assistente social e do
psicólogo na psiquiatria, sendo possível identificar a importância destas categorias
no processo de desospitalização dos pacientes com transtornos em saúde mental.
Conclusão:
É necessário seguir rumo a um modo de fazer gestão do cuidado
em que possam ser discutidos os problemas, construídos consensos e pactuadas
decisões de forma coletiva e democrática, para que as relações interprofissionais
sejam também mais democráticas e voltadas para o bem comum das equipes de
saúde e pacientes.
Descritores:
Psiquiatria; Serviço Social em Psiquiatria; Psicologia;
Desinstitucionalização; Estratégias de Saúde.
Abstract
Objective:
To present the dehospitalization strategies developed by Social Work
and Psychology services in the psychiatry department of a public hospital in the
southern region of São Paulo City.
Method:
This is a descriptive study, of the
experience report type, aiming to describe the activities carried out by Social
Work and Psychology services in Psychiatry, during the period of expansion of the
multidisciplinary team through the Hospital Replacement Program.
Results:
The
study highlighted the scope of the work of social workers and psychologists in
psychiatry, allowing for the identification of the importance of these professions in
the dehospitalization process of patients with mental health disorders.
Conclusion:
There is a need to move towards a care management approach where problems
can be discussed, consensus can be built, and decisions can be collectively and
democratically agreed upon, so that interprofessional relationships are also more
democratic and oriented towards the common good of healthcare teams and
patients.
Descriptors:
Psychiatry; Social Work, Psychiatric; Psychology; Deinstitutionalization;
Health Strategies.
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INTRODUÇÃO
A alta hospitalar é uma decisão que não deve ficar circunscrita
a elementos que envolvem somente o processo de liberação do
paciente do hospital após uma internação prolongada, como
desocupar o leito, transferir o paciente para outra unidade de
saúde ou para atendimento por outra equipe assistencial.
O processo de alta também deve levar em conta diversas
estratégias para otimizar o tempo de permanência hospitalar,
assim como orientar a família e/ou cuidadores que acompanharão
a recuperação do paciente após a alta.
Todas essas questões estão no cerne das reflexões, discussões
e práticas do Serviço Social e da Psicologia, fundamentadas em
um projeto ético-político que visa promover uma saúde pública
de qualidade e uma gestão do cuidado dentro da clínica ampliada.
De acordo com as discussões tecidas pelo Ministério da
Saúde (MS)
(1)
, a desospitalização fundamenta-se na construção
do processo de transição do cuidado de modo dialógico,
humanizado, respeitando as necessidades e as escolhas possíveis
do usuário e da família. Essa estratégia pode ser aplicada em
diversas populações, como adultos com doenças crônicas
não transmissíveis, crianças e transtornos e deficiências da
integralidade e exigem que a equipe multidisciplinar trabalhe de
forma coordenada e em rede para ter resolutividade
(2-3)
.
Na saúde mental não é diferente e, desse modo, é oportuno
trazer a experiência de desospitalização mediante trabalho
interdisciplinar no gerenciamento de casos, destacando a
importância da articulação do cuidado em redes, das práticas
integrativas e de educação em saúde. Além disso, apontar
reflexões pertinentes sobre atenção à saúde de forma resolutiva
e humanizada no trato de pessoas em condição de adoecimento
psíquico é uma necessidade premente que pode trazer reflexões
sobre a abordagem multidisciplinar na gestão de casos.
Neste contexto, o paciente, sua família e os profissionais dos
serviços comunitários passam a ser, cada vez mais, os principais
provedores de cuidados em saúde mental. Exigindo articulação
entre diversos serviços da rede de saúde em seus diferentes
níveis de atenção
(2)
.
Nessa linha de pensamento, o objetivo desta comunicação
científica é apresentar as estratégias de desospitalização
desenvolvidas pelo Serviço Social e de Psicologia na psiquiatria
de um hospital público da região sul da Cidade de São Paulo.
MÉTODO
Desenho, período e cenário
Trata-se de um relato de experiência em que se buscou
descrever as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social e a
Psicologia, no atendimento de Psiquiatria
(4)
, realizado no período
de ampliação da equipe multidisciplinar através do Programa
de Reposição Hospitalar (PROREHOSP) do Centro de Estudos e
Pesquisa “Dr. João Amorim” (CEJAM), onde estas duas áreas do
conhecimento foram agregadas à equipe existente.
O relato de experiência traz um retrato do trabalho realizado
entre os meses de agosto e outubro de 2023, no cenário de prática
do Pronto Socorro e enfermaria de Internação Psiquiátrica.
O pronto socorro do hospital atende situações de crises,
urgências e emergências psiquiátricas com predominância da
população adulta acima de 18 anos, de ambos os sexos, com
histórico significativo de uso abusivo de múltiplas substâncias
psicoativas, dentre outros tipos de transtorno mental.
Por ser uma unidade hospitalar de atenção terciária, funciona
24 horas por dia, todos os dias da semana, podendo os usuários
chegar ao serviço por demanda espontânea acompanhado por
familiares, ou,ainda, referenciados por outros pontos da Rede
de Atenção Psicossocial (RAPS), como o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) e também de Ambulatório Médico Assistência
(AMA), Unidade Básica de Saúde (UBS), Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (SAMU) e bombeiros, dentre outros casos
trazidos pela força policial após exposição a situação de risco.
A equipe técnica do hospital é composta por funcionários
públicos, residentes em saúde, internos, estagiários e parceria
conjunta com o terceiro setor.
O Hospital está localizado na região de M’boi Mirim e Campo
Limpo, a cerca de 16 quilômetros do marco zero da Cidade de
São Paulo. De acordo com dados dos censos demográficos 1991
e 2000
(5)
, a população é de aproximadamente 191 a 527 mil
habitantes e a densidade demográfica é de 14.963 habitantes por
quilômetro quadrado.
A região de abrangência do hospital é conhecida pela presença
de uma grande desigualdade social, com um número relevante de
população de baixa renda vivendo em comunidades, residências
de baixo padrão e conjuntos habitacionais populares, ao lado de
condomínios horizontais e verticais de classe média e média alta.
Contudo, a história social da fundação deste hospital está
relacionada à organização popular em movimentos sociais. Além
disso, a região possui grandes áreas de comércio popular e uma
atividade industrial em processo de declínio, com alguns galpões
e fábricas ainda em atividade.
RELATO DA EXPERIÊNCIA
Após a admissão do paciente ele é avaliado e ponderadas as
estratégias de cuidado em curto prazo, sendo elas: alta hospitalar
para continuidade no acompanhamento no território, internação
em pronto socorro para observação psiquiátrica e, internação
psiquiátrica no próprio hospital ou transferência para outras
unidades referenciadas.
Contudo, nesse percurso os profissionais de saúde da
instituição apontam algumas dificuldades para a efetivação do
cuidado em saúde mental, tais como: escassez de recursos
humanos, fragilidade na comunicação em saúde, ausência de uma
rede de suporte social e familiar elaborada no cuidado, fragilidade
nas políticas públicas e sociais para o atendimento a população,
excesso de demanda, tempo prolongado de internação, e
reinternações.
Diante das demandas evidenciadas foi pensado uma proposta
de ampliação da equipe multiprofissional e a integração entre
equipes de Serviço Social e Psicologia no setor de psiquiatria.
A partir de então, algumas ferramentas de trabalho existentes
foram potencializadas para a qualificação da assistência prestada
e, outras foram implementadas vislumbrando melhoria na
assistência prestada e qualificando fluxos e processos de trabalho.
Interconsulta
De acordo com Farias
(6)
, o termo interconsulta passou a ser
discutido no Brasil na década de 1980, dentro do campo da
psiquiatria. Em seu conceito básico, a interconsulta permite ao
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médico e demais membros da equipe multiprofissional procurar
uma segunda opinião ou até mesmo auxílio no diagnóstico de outro
profissional. Essa prática ajuda em uma melhor aprendizagem e
definição dos diagnósticos, além de agilizar o laudo e a construção
do cuidado do paciente.
Quando o paciente chega até o hospital, seja na sua acolhida ou
durante a internação, de acordo com as necessidades identificadas
o médico ou qualquer outro membro da equipe multiprofissional
de nível superior possui acesso nos computadores da instituição
a um link, com informações rápidas e práticas onde ele poderá
solicitar a avaliação de outro profissional, ou pelo próprio sistema
gestão hospitalar, sendo de outra especialidade médica ou de
outra categoria multidisciplinar como: serviço social, psicologia,
fonoaudiologia, nutrição, fisioterapia, terapia ocupacional, e entre
outros.
A equipe médica é habilitada a solicitar interconsulta a todas
as categorias profissionais existentes no quadro de profissionais
do hospital e conforme o regimento interno institucional, a
equipe multiprofissional solicita a outros membros da equipe
multiprofissional não médicos.
Durante o pedido, a interconsulta pode ser classificada entre
urgência ou rotina. Sendo que a urgência tem um prazo de até
12:00 para ser atendida, e a rotina até 24:00. O uso adequado da
interconsulta melhora o atendimento ao paciente: a interconsulta,
em apenas um atendimento, trabalha com várias questões de
diferentes áreas. Assim, há uma otimização no tempo do paciente
e uma melhora na comunicação e registro da informação. Trazendo
benefícios como agilidade no diagnóstico: por haver mais de um
profissional envolvido no atendimento, o laudo com o diagnóstico
do paciente é realizado de maneira mais ágil, economizando tanto
o tempo do paciente quanto dos médicos.
Discussão de Caso interdisciplinar
Seja no processo de atendimento das interconsultas ou após
o atendimento de rotina, ou nas reuniões internas de psiquiatria,
a Psicologia e o Serviço Social têm se empenhado desde a
sua chegada ao setor, nas discussões de caso com a equipe
multidisciplinar, principalmente com a equipe médica psiquiátrica
e a equipe médica residente em psiquiatria, trazendo troca de
informações, avaliação compartilhada, propiciando aprendizado
entre profissionais.
A interação entre profissionais de diferentes áreas e
especializações traz o ganho pedagógico para a formação em
saúde dos residentes e para a construção do Projeto Terapêutico
Singular (PTS) do paciente. Isso possibilita a todos os envolvidos
um entendimento mais abrangente de diversos assuntos que
podem envolver um processo diagnóstico
(7)
.
Kanban
O termo “Kanban” é de origem japonesa e significa
“sinalização” ou “cartão”, e propõe o uso de cartões (post-its)
para indicar e acompanhar o andamento da produção dentro de
um espaço de trabalho.
Trata-se de um sistema visual que busca gerenciar o trabalho
conforme ele se move pelo processo. Esta ferramenta de trabalho
existe no setor de psiquiatria do hospital referido, onde todas
as segundas-feiras, das 14:30 às 16:30, os CAPS do território
vem até o hospital, com seus respectivos representantes, para
discussão dos casos em observação psiquiátrica no pronto
socorro.
Neste processo de trabalho o Serviço Social e a Psicologia
têm trabalhado em trazer para esse espaço a perspectiva
de matriciamento, constituindo o Kanban numa ferramenta
para transformação da realidade de trabalho de equipes
interdisciplinares e suas relações com as pessoas e o território, e
na construção do PTS do paciente
(8)
.
É durante o Kanban
(9)
com os CAPS do território que as
respectivas categorias profissionais contribuem para a efetiva
comunicação e coordenação de cuidados entre os profissionais
envolvidos, pois, é o momento em que se trabalha a perspectiva
de alta do paciente, possíveis transferências para internação de
longo prazo, reinserção social, medidas de acolhimento como fator
protetivo, e trabalha-se também os aspectos das determinações
sociais do processo de saúde e doença envoltas na vida do usuário
atendido e seus familiares.
É um espaço de reflexão sobre as múltiplas expressões da
questão social em torno do paciente e seus familiares, como
pobreza extrema, violências, negligências e demais riscos sociais.
Planilha de gestão de caso na RAPS
Após a reunião do Kanban realizada no hospital, todas as
segundas feiras, o PTS do paciente é atualizado numa planilha,
que é compartilhada junto a ata de reunião com os dispositivos
da RAPS do território.
Além de compartilhar as informações com os serviços
da da RAPS, a coordenadoria de saúde da região também é
envolvida com o intuito de viabilizar a comunicação em saúde, a
integralidade do cuidado e a gestão desse cuidado intra-hospitalar
e extra-hospitalar.
Avaliação Interdisciplinar
A partir das discussões de caso cotidianas, das reuniões
de setor e do próprio Kanban, são eleitos diante das suas
complexidades, casos que demandam um olhar específico das
categorias de Serviço Social e Psicologia para as intervenções
técnicas sociais e psicológicas.
A avaliação interdisciplinar é um espaço potente, onde o
assistente social e o psicólogo, dentro de suas áreas de formação,
realizam uma leitura dos determinantes sociais de saúde do
paciente atendido, bem como sua rede de suporte social e familiar,
fatores implicados no adoecimento, e manejo de situações de
violência, negligências, onde se avalia os vínculos familiares
e se trabalha com o paciente e a família o fortalecimento ou
a reconstrução do vínculo familiar, muitas vezes fragilizado ou
rompido na fase do adoecimento em saúde mental
(10)
.
Através da avaliação interdisciplinar
(11)
, o Serviço Social e a
Psicologia realizam uma leitura sistêmica da realidade psicossocial
dos indivíduos, pensando estratégias de intervenção em rede
para o cuidado, articulando e tecendo diálogo entre a política de
saúde, assistência social, educação, habitação, cultura e outras
dimensões da vida do sujeito.
Trabalha-se também o retorno do paciente ao seu território,
o vínculo com a comunidade. E quando esse paciente está em
situação de rua, é pensada de acordo com sua autonomia o seu
acolhimento institucional para o cuidado pós-hospitalar.
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Resultados da Experiência
O relato de experiência mostrou a dimensão do trabalho do
assistente social e do psicólogo na psiquiatria, sendo possível
evidenciar através dos dados generalistas coletados no Sistema
de Gestão Hospitalar (SGH) a importância destas categorias no
processo de desospitalização dos pacientes com transtornos em
saúde mental, considerando o território de vulnerabilidade social
em que o hospital está localizado e complexidade das demandas
atendidas.
Por meio de análise exploratória do número de internação
averiguados antes da chegada da equipe multiprofissional,
observou-se um número de pacientes em observação psiquiátrica
no pronto socorro entre 10 e 15 pacientes aproximadamente
por dia, com período de internação estimado entre 03 e 06 dias
aproximados, após o curto período de intervenção da equipe de
Serviço Social e Psicologia, período este do relato de experiência,
o número de pacientes em observação psiquiátrica sofreu uma
redução por dia, entre 03 e 05, com permanência de 01 a 03 dias
de internação aproximados.
A integração destas duas categorias profissionais na psiquiatria
vem trazendo estratégias de redução de aproximadamente 33,3%
do número de pacientes internados e queda de 50,0% do tempo
de internação, propiciando a gestão de leitos hospitalar, melhoria
no atendimento de modo humanizado e qualificado, ampliando o
trabalho social com famílias na unidade hospitalar e trazendo a
concepção de uma alta segura, eficaz e continuidade do cuidado.
Para além da assistência direta ao paciente, a prática do
Serviço Social e da Psicologia na Saúde Mental e Psiquiatria
hospitalar têm contribuído significativamente no ensino e pesquisa
em saúde mental e promovendo intervenções interdisciplinares e
intersetoriais em Psiquiatria.
DISCUSSÃO
O Serviço Social e a Psicologia na Psiquiatria vêm dar
materialidade à proposta da clínica ampliada no ambiente
hospitalar, que é uma das diretrizes da Política Nacional de
Humanização, com o intuito de qualificar o modo de se fazer
saúde
(12)
.
A experiência das categorias de Serviço Social e Psicologia
até o momento vivenciado destaca o quanto benéfico é, para o
serviço de saúde da instituição hospitalar e para o paciente, ter
a ampliação da clínica psiquiátrica, que agrega outras categorias
profissionais ao espaço de cuidado psiquiátrico e aumenta a
autonomia do usuário do serviço de saúde, da família e da
comunidade sobre o autocuidado.
Integrar a equipe de trabalhadores da saúde de diferentes
áreas do conhecimento em busca de cuidado e tratamento de
acordo com cada caso é fundamental para criar vínculo com o
usuário e alcançar uma resposta terapêutica mais eficaz, o que
consequentemente, resultará em agilidade dos fluxos de trabalho
e qualidade na atenção ao usuário.
A experiência do trabalho psicossocial na psiquiatria tem
mostrado que é preciso considerar a vulnerabilidade e o risco do
indivíduo. A partir de um olhar multidisciplinar, o diagnóstico é
feito pelo médico psiquiatra levando em conta a história de quem
está sendo cuidado e as intervenções multiprofissionais.
Através da escuta, o Serviço Social e a Psicologia vêm
buscando junto ao usuário, os motivos pelos quais ele adoeceu
e como se sente com os sintomas, para compreender a doença
e se responsabilizar a participar na produção de sua saúde.
Estas categorias profissionais estão atentas aos afetos entre os
trabalhadores e usuários buscando a autonomia da pessoa diante
do seu tratamento, ao mesmo tempo em que seu caso é tratado
de forma única e singular
(13)
.
Segundo a perspectiva da complexidade, a interdisciplinaridade
é comporta relações de troca e cooperação entre as diferentes
disciplinas, bem como a articulação e interação dos saberes/fazeres,
favorecendo que o coletivo de trabalhadores possa construir
novas possibilidades de trabalho, de soluções e de alternativas,
ultrapassando as fronteiras meramente disciplinares
(14)
.
O trabalho do assistente social e do psicólogo na Psiquiatria vem
contribuindo de modo prático para a alta segura do paciente, para
o gerenciamento do cuidado e dos processos de desospitalização,
fortalecendo o diálogo multiprofissional e interdisciplinar, e
também, com os dispositivos de saúde e socioassistencial do
território
(15)
.
Essa melhora na comunicação em saúde, traz evidências
de uma clínica ampliada pautada nos determinantes sociais de
saúde e doença sobre adoecimento psíquico. Esse olhar ampliado
também é sinônimo de valorização das categorias profissionais
envolvidas nesse processo.
Este relato de experiência não tem a intenção de trazer uma
visão romantizada do trabalho interdisciplinar em psiquiatria,
até porque, a prática mostra inúmeros desafios encontrados,
bem como o processo de conquista e apropriação do espaço de
trabalho, a necessidade de um quadro de recursos humanos
ainda mais ampliado diante da demanda trabalhada, a escassez
de políticas públicas e sociais que complemente o trabalho em
saúde mental
(16)
. No entanto, esta comunicação científica vem
mostrando que as categorias profissionais de saúde, Serviço
Social e Psicologia, categorias estas, tão essenciais para o cuidado
em saúde mental, estão desenvolvendo a capacidade de auxiliar
as pessoas, não só a combater as doenças, mas a transformar-se,
de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça os
pacientes de viverem outras coisas na sua vida.
Para que o cuidado em psiquiatria seja eficaz é preciso romper
os muros do diagnóstico por si só, e mesmo na atenção hospitalar
precisa ser multidisciplinar.
CONCLUSÃO
Observou-se que o trabalho conjunto de Assistentes Sociais,
Psicólogos e Psiquiatras contribuem de maneira específica para
a qualificação da assistência ao paciente e que a junção desses
campos do saber, pela prática da interdisciplinaridade, permite
a melhor compreensão do diagnóstico e o desenvolvimento de
estratégias mais eficazes de intervenção.
A prática da Psicologia e do Serviço Social, compondo de forma
integrada a equipe de psiquiatria do hospital aqui tratado, revela
que é preciso construir formas de trabalhar em equipe, orientadas
por uma racionalidade transdisciplinar e que caminhe em direção à
um projeto que qualifique ainda mais a humanização nas práticas
de atendimento psiquiátrico, aumentando a comunicação e o grau
de transversalização entre sujeitos, em que cada um possa ser e
se sinta protagonista, respeitado e valorizado em relação ao seu
saber e fazer e, ao mesmo tempo, se responsabilize pelos rumos
da atenção prestada.
Estratégias de Desospitalização Psiquiátrica e o Trabalho Interdisciplinar…
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É necessário seguir rumo a um modo de fazer gestão do
cuidado em que problemas possam ser discutidos, consensos
possam ser construídos e, pactuações e decisões possam ser
firmadas de forma coletiva e democrática, para que as relações
interprofissionais sejam também mais democráticas e voltadas
para o bem comum.
É urgente, pensar espaços de reflexões, diálogos e projetos
que garantam uma atenção em psiquiatria com o viés da saúde
mental em clínica ampliada.
O conteúdo aqui apresentado está distante de esgotar
a proposta abordada, mas vem instigar uma reflexão tão
importante, para a continuidade de uma prática essencial,
a interdisciplinaridade entre o Serviço Social e a Psicologia na
Psiquiatria, áreas dos saberes tão próximas, tão complementares
e tão essências.
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